quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Gaúcho: forjado em Pólvora e Sangue

Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck
Delegado de Polícia em Santa Vitória do Palmar

Há 177 anos, um grito independentista consolidava a epopéia de uma nação. Longe de ser uma revolta contra o Brasil, a afirmação de um sentimento de amor ao pago, desprezado, já naquela época, pelo poder central, a Revolução Farroupilha inscreve-se na história como o manancial de onde brotam as águas vivas a banhar a alma pampeana.

É bem verdade que o gaúcho não nasceu em 1835, e que, antes da dita Revolução, outras guerras o acompanhavam. Podemos, de fato, dizer que, desde a gênese desse centauro das planícies da América do Sul, as escaramuças lhe fizeram escolta. O gaúcho, seja o riograndense, seja o rioplatense, vive e se alimenta dos combates. Na Argentina, no Uruguai ou no Rio Grande, o gaúcho se vê, sempre, às voltas com a guerra: ou dela participa, ou dela descansa, ou para ela se prepara, quando dela não cura as feridas.

E na história de cada um dos três povos gaúchos – ou um só povo gaúcho sob três bandeiras –, o derramamento de sangue, por vezes injusto, mas, na maioria delas, cercado e abastecido por um valor maior, se viu não só vivamente presente como cantado em poesias e payadas, a rememorar seu passado ibérico na luta contra o mouro invasor.

Se ao gaúcho argentino ou uruguaio outras lutas falam mais alto, e se mesmo ao gaúcho do sul do Brasil pelejas anteriores não lhe deixam de marcar o lombo, foi, certamente, a Guerra dos Farrapos a que mais calou fundo em nossa alma. Já tínhamos, os riograndenses, tantos sinais das investidas bélicas desde o aparecimento na pampa desse vaqueano, misto de índio, negro, português e espanhol: recorridas pelo estabelecimento das fronteiras, defesa das estâncias, e, é triste constatar, duelos fratricidas, forjaram o espírito gauchesco. E isso a tal ponto que mesmo a técnica campeira das fazendas é um arremedo da guerra, e o peão não deixará sua faca e seu revólver nem mesmo na visita ao bolicho ou no namoro de porteira. A estância era o castelo feudal dos nossos campos, e os campesinos os soldados sempre prontos a cumprir seu dever de lealdade pelo patrão. A vida civil, se existia no Rio Grande e nos países do Prata, era apenas o interstício entre duras pugnas. O tilintar das espadas, o estouro dos canhões, as cargas de cavalaria, são, para o gauchismo, a sinfonia que rege sua vida e acompanha o desdobrar dos acontecimentos mais importantes do estabelecimento de sua pátria.

O militarismo, pois, faz parte da vida do homem sulino, ainda que seja paisano. Até os esportes por aqui são imitação da batalhas: que o diga o estilo aguerrido de jogar futebol, ou o fato de chamarmos aos uniformes dos jogadores “fardamento”, ou indicarmos que a função do goleiro é atacar – até a defesa, que é a atividade do goleiro, se torna um ataque, bem típico de um povo ativo e altivo.

Não se menospreze, entretanto, por isso, o poder mítico do decênio heróico. De 1835 a 1845, o Rio Grande de São Pedro, ao pegar em armas contra um centralismo absolutamente incompatível com as tradições cristãs de subsidiariedade e auto-afirmação dos povos, não inaugura, é verdade, nossas guerras nem funda o gaúcho. Todavia, fixa na mentalidade do sul-riograndense seus mais altos ideais. A Revolução Farroupilha é a síntese de todas as guerras da pampa. Se não cria o gauchismo, o consolida, marca profundamente sua cerviz. Todas as batalhas de antes e todas as lutas que virão – e não serão poucas, como atestam os sangrentos combates de 1893 e 1923, e até mesmo a unificação das forças políticas do Estado para a vitória montada a cavalo de 1930 –, conectam-se, indissoluvelmente, ao manifesto farrapo.

É a Guerra de 35 que molda o gaúcho, é ela que se torna o combate por antonomásia. Sem ela, o gaúcho existiria, como, de fato, já existia. Sem ela, o gaúcho lutaria, como, de fato, já lutava. Igualmente sem ela, porém, ele, ao menos o gaúcho brasileiro, não seria o que é hoje, e lhe faltaria no peito um coração como o que bate, tal qual um bumbo legüero, ao contemplar, hasteado, o pavilhão tricolor e, cintilando, a chama que se inflama nas centelhas dos galpões Rio Grande afora!

Viva o 20 de Setembro! Viva a liberdade do povo gaúcho! Que nossa glória e sangue sejam a exaltação da pátria e o orgulho do Brasil!

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