quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Papa e o iPad, a Igreja e o Progresso



"Stultorum infinitus est numerus" (Liber Ecclesiastes 1, 15)

Acredito já ser de comum conhecimento que esta semana o Romano Pontífice postou seu primeiro tweet, por meio de um aparelho iPad[1], para divulgar o novo portal de notícias do Vaticano[2]. Pois bem, dito evento foi alvo de comentários maldosos internet a fora, acusando uma pretensa contradição nas atitudes do Papa, pois este estaria usando a tecnologia ao mesmo tempo que manteria posições "atrasadas" condenando outro "avanço tecnológico", o preservativo, vulgo camisinha.[3]

Passemos primeiro ao absurdo lógico do dito argumento, se é que assim podemos chamar tal categoria verborrágica de "argumento": pela tal linha de raciocínio, a aceitação de uma mudança técnica ou científica só seria coerente se se aceitasse as demais. Ou seja, enxerga-se as mudanças técnicas e científicas como um progresso contínuo e linear. Trata-se, pois de uma ideologia velha, atrasada, até mesmo esclerosada: o positivismo.[4] Ou seja, estão a defender uma idéia antiga com roupagem nova, com estultas pretensões de originalidade. Sabemos que não é assim. Ou acaso os ditos cujos que compactuam com tal comentário crêem ter sido a bomba atômica um avanço? E as câmaras de gás? E os experimentos médicos dos nazistas?

E é aí que entra a Igreja. A Igreja tem por função primordial prestar culto a Deus e guiar os homens no caminho da Salvação. Contudo, destituída de qualquer visão gnóstica ou maniqueísta, prega que as estruturas temporais, bem como as sociedades civis, devem ser impregnadas também dos valores cristãos. Munida desses princípios, a Igreja promoveu o progresso técnico e científico ao longo dos séculos. Os mosteiros preservaram e copiaram um grande acervo dos escritos gregos e romanos da Antiguidade. Abades, bispos e cabildos catedralícios promoveram a produção artística e musical (a propósito, a classificação das notas musicais na música ocidental deve-se ao monge Guido de Arezzo, que viveu no século XI). A Igreja instituiu hospitais e universidades por toda a Cristandade, bem como escolas e orfanatos. Muitos grandes cientistas, artistas e eruditos foram católicos e dentre eles muitos eram clérigos.
"Ah, mas a Igreja interferia na produção científica! E ainda hoje se mete em questões científicas, posicionando-se contra muitos avanços!" - poderiam objetar-me. Respondo: precisamente. A Igreja entende que o progresso técnico e científico não é um fim em si mesmo, mas um meio para promover e favorecer a dignidade humana. Consequentemente, a Igreja se opõe a todos os progressos científicos que atentem contra a dignidade humana: as pesquisas com células-tronco embrionárias (que atentam contra a inviolável dignidade da vida dos embriões humanos), os métodos contra-ceptivos, que violam a natureza e a normalidade do ato conjugal, as pesquisas eugenistas de engenharia genética, etc. O progresso científico-técnico deve estar subordinado ao bem da humanidade e não o contrário! Será que as últimas gerações não aprenderam o suficiente com as danosas experiências causadas pelas ideologias do século XX, essas novas formas de idolatria que a humanidade criou?!

Aliás, a Igreja não têm o direito de manifestar-se sobre o progresso técnico e científico desenvolvido pela humanidade? Vejamos: 1) a Igreja enquanto constituída por Cristo para pregar o Evangelho, tem o grave dever de pronunciar-se sempre contra a imoralidade, mesmo quando essa se dá fora de seu seio. O Papa Inocêncio III já dizia que o poder espiritual tinha o direito e o dever de interferir nas realidades temporais sempre que houvesse razão ou risco de grave pecado (rationis peccati); 2) a Igreja enquanto conjunto de homens que estão igualmente inseridos na sociedade civil tem sim o direito de manifestar-se enquanto membros da mesma sociedade e enquanto seres humanos, na medida em que se trata de assuntos que dizem respeito à humanidade.

Pois bem, tratemos agora do caso específico citado: o Papa e a internet. A internet, como qualquer meio de comunicação, é algo neutro: será boa ou má conforme o seu uso. Assim como pode ser usada para divulgar futilidades, devassidão e calúnias, pode também ser usada para transmitir a mensagem do Evangelho. Eu faço parte de uma geração que conheceu melhor a Doutrina da Igreja em grande parte graças aos recursos que outros católicos disponibilizaram e continuamente disponibilizam na rede. E é isso que Bento XVI têm falado: que os meios de comunicação devem ser usados pelos católicos para difundirem os ensinamentos da Santa Igreja, para darem testemunho de Jesus Cristo. Nesse sentido que o Santo Padre exortava os sacerdotes a criarem blogs para difundirem a Sagrada Doutrina, bem como exortava os jovens a divulgarem também os ensinamentos da Igreja em blogs e nas redes sociais. Assim, este blog é uma resposta ao chamado do Sumo Pontífice, o "Doce Cristo na Terra" como dizia Santa Catarina de Siena. Portanto, conclui-se que não há contradição nenhuma em o papa usar-se da teconologia de forma retamente ordenada e manter firme a Doutrina Moral da Igreja, pois, como vimos, o progresso tecnológico-científico não é um fim em si mesmo, devendo estar orientado para a promoção da dignidade humana, de acordo com a moral.

Notas:
[1] O Vídeo pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=Uo3ljdpN5h4&feature=player_embedded
[2] O endereço do novo portal de notícias do Vaticano: http://www.news.va/en
[3] Os ditos comentários circularam no twitter do jornalista e apresentador de televisão Marcelo Tas.
[4] A ideologia positivista, criada por Auguste Comte no século XIX, sustentava que a História da Humanidade era um progresso linear contínuo dividido em 3 etapas: a etapa de mentalidade teológica, a etapa da mentalide metafísica, e a etapa da mentalide científica ou positiva, de onde se tira o nome positivismo.

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